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Um programa para defender a “integridade da informação”
Secretário de Políticas Digitais da Secom, João Brant, explica os riscos do modelo de negócios das plataformas comerciais, baseado em engajamento, e as ações que visam combater os efeitos colaterais das novas tecnologias no ambiente digital
A Secretaria de Políticas Digitais tem enfatizado a defesa da “integridade da informação”. Pode definir esse conceito?
A proposta da ONU se refere à integridade da informação como precisão, consistência e confiabilidade das informações, e está ligada a um ambiente informacional respeitador de direitos humanos, como a liberdade de expressão, e que conta com uma mídia independente e sustentável. Temos ainda trabalhado para pautar o tema da integridade da informação no âmbito do G-20, que será presidido em 2024 pelo governo brasileiro. No ambiente informacional das plataformas digitais, fica evidente um problema de ausência de integridade da informação, e essa discussão não pode ser dissociada da necessidade de se pensar também na regulação de serviços e mercados digitais.
É impossível que um governo democraticamente eleito, mesmo diante de uma das tentativas mais insidiosas de manipulação e de desinformação eleitoral, não se dedique a esse tema como prioridade. Tivemos em 8 de janeiro uma demonstração brutal de como a distorção sobre os fatos mais básicos — como a confiabilidade e a legitimidade do nosso sistema democrático — pode levar a uma grave crise política e institucional. Antes disso, tivemos ondas de desinformação como contestação ao Judiciário, ao processo eleitoral, para não falar do questionamento massivo da eficácia das políticas sanitárias e da vacinação durante a pandemia da Covid-19. Por ser uma democracia vibrante que resistiu a essas ameaças, um dos maiores mercados de plataformas digitais no mundo, e ainda um dos locais onde a população em geral passa mais tempo online, o Brasil é um dos atores mais importantes para mostrar como governos podem agir diante desse cenário. O que vejo é uma preocupação cada vez mais abrangente em agir proativamente no enfrentamento à desinformação.
De que maneira a pauta da desinformação se articula com a transformação digital?
Tivemos avanços impressionantes na prestação de serviços públicos — o Brasil tem hoje muito a mostrar em termos de governo digital. Com a chegada da revolução da inteligência artificial, já há iniciativas de regulação no Legislativo, e de aplicação no âmbito do Judiciário sendo discutidas. Apenas há pouco tempo, contudo, se passou a olhar mais atentamente sobre os efeitos colaterais negativos da transformação digital. Nosso foco na secretaria tem sido ir além da perspectiva da adoção de novas tecnologias, mostrando que há outras questões que merecem a atenção em termos de políticas públicas.
É importante compreender que as plataformas digitais têm como modelo de negócio a “economia da atenção”: seu objetivo é maximizar o engajamento e o tempo de uso das suas aplicações. Esse modelo tem as chamadas “externalidades negativas”: a disseminação de desinformação e dos discursos de ódio; o uso excessivo ou inadequado de redes sociais por crianças e adolescentes; e os desafios de sustentabilidade para o jornalismo profissional de interesse público Além disso, há discussões que ainda fazemos de forma relativamente incipiente, como é o caso da soberania digital. Tudo isso faz parte da transformação digital. E sem políticas públicas específicas voltadas a esses impactos, a continuidade do próprio regime democrático pode correr riscos.
Quais as principais ações da Secretaria de Políticas Digitais?
Nossa prioridade é promover o enfrentamento à desinformação e ao discurso de ódio na Internet, tendo em vista a proteção dos direitos humanos, da liberdade de expressão e diante da mudança estrutural do ambiente informacional. São iniciativas que vão de participar ativamente da discussão, noCongresso Nacional, sobre regulação dos serviços das plataformas digitais (PLs nºs 2630 e 2370), até buscar a sustentabilidade do jornalismo de interesse público no ambiente digital. Estamos desenvolvendo uma metodologia e uma dinâmica para a defesa de políticas de saúde pública contra ações de desinformação. E a promoção de um ambiente informacional plural também se deu com a maior expansão da Rede Nacional de Comunicação Pública da história da EBC: com as universidades federais, fizemos um acordo para que 51 novas emissoras de rádio e 49 canais de TV se juntassem ao sistema público de comunicação. Há parcerias em várias frentes, e uma delas junta seis ministérios — Secom, Saúde, Justiça, Direitos Humanos, Desenvolvimento Social, Educação –, além de especialistas e sociedade civil, para criação de um guia orientativo para o uso consciente de telas e dispositivos digitais por crianças e adolescentes. A consulta pública sobre o tema ficará aberta no portal Participa BR até 23 de novembro.
Mantemos ainda diálogos com parceiros de governos estrangeiros sobre regulação de serviços digitais — no âmbito dos países-membros do Mercosul, com governos de países como Reino Unido, Alemanha, França e Chile, e trocas de boas práticas sobre educação midiática, envolvendo também Dinamarca e Finlândia. Estamos trabalhando para pautar o tema da integridade da informação nas discussões na ONU, Unesco, Mercosul, OCDE e no G-20.
A ideia de criação de um comitê de política digital avançou?
Nós, na Secretaria de Políticas Digitais, temos insistido junto a outros ministérios e ao centro de governo que é necessário reforçar a governança da agenda digital. Fizemos um levantamento e descobrimos que, ao lado de ministérios que tradicionalmente vinham conduzindo agendas próprias, como o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que cuida de governo digital, o das Comunicações, voltado para a infraestrutura, ou o Ministério da Ciência e Tecnologia, que estimula pesquisa, desenvolvimento e inovação na área, há inúmeros outros que precisam fazer parte dessa discussão.
O Ministério da Justiça tem assumido protagonismo na questão dos direitos digitais e no enfrentamento ao crime cibernético. A regulação de plataformas digitais é uma discussão que toca a defesa dos direitos humanos, competência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), e os direitos autorais, responsabilidade do Ministério da Cultura. Nós, na Secom, temos trabalhado ao lado de vários outros órgãos, como a Procuradoria Nacional da Defesa da Democracia, AGU e CGU, para tratar o problema da desinformação contra políticas públicas nas plataformas digitais.
E a lista não para aí. Não se pode pensar em regulação de mercados digitais sem envolver os Ministérios da Fazenda e o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC). O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) trata de cibersegurança, o Ministério das Cidades de cidades inteligentes, o Itamaraty da representação do Brasil em temas de economia digital, e até o Banco Central e o Ministério da Agricultura têm áreas dedicadas ao tema. O Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável vem puxando debates sobre a agenda digital. Além, é claro, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, de caráter multissetorial, que é um ator fundamental nesse campo há anos. Ou seja, seria mais preciso dizer que hoje há um ecossistema no governo, muito amplo, o que exige se pensar numa forma de governança efetiva e de como endereçar todos esses temas.
Isso não é um desafio apenas no Brasil. Há países que estão caminhando para constituir uma agência reguladora forte para o âmbito digital, como a França, o Reino Unido e a China. Em outros, o protagonismo é de ministérios tão diferentes como o das Comunicações ou da Justiça. Para se ter uma ideia da variedade de desenhos institucionais, na Alemanha, o Ministério do Digital é o mesmo dos Transportes. Diante desse cenário, a discussão no governo avançou no sentido de revisitar a Estratégia Brasileira de Transformação Digital e, eventualmente, repensar a dinâmica e ampliar a constituição do Comitê Interministerial para a Transformação Digital (CITDigital). Estamos atualmente debruçados sobre essa possibilidade, participando da elaboração de uma proposta nesse sentido.
*Notícia publicada na edição especial de aniversário da Revista Dataprev Resultados. Acesse a publicação na íntegra.
Foto: Secom/PR